quarta-feira, 27 de julho de 2016

Museu Prudente de Moraes - Piracicaba / Fantasmagorias

Fantasmagorias, Vídeo instalação - 2016
Link para o vídeo: https://vimeo.com/166205937

Texto  do curador Yudi Rafael.
Antes da consolidação da internet e de outras situações comunicacionais, com suas possibilidades bidirecionais ou dialógicas, interativas e de compartilhamento, a televisão broadcast se firmou como meio privilegiado de comunicação. Ao estabelecer‐se como uma mídia autoritária e hierárquica, dotada de um sistema fechado e unidirecional de emissores e receptores, a TV se tornou determinante na organização e no desenho do espaço das moradas, no tempo de lazer de seus ocupantes e na veiculação de mensagens, fornecendo‐ lhes, de forma ininterrupta, imagens ‘realistas’ do mundo. Seu broadcast transformou uma experiência privada em evento público, partilhado por uma enorme quantidade de pessoas simultaneamente.
A partir dos anos 1960, diversos experimentos artísticos passaram a interrogar a imagética da televisão, por meio da produção de anamorfoses nas quais imagens ‘realistas e objetivas’ foram desconstruídas em abstração, ruído e dessemelhança. A seu modo, o trabalho de Rita Balduíno se reporta a tais experimentos. Com uma câmera digital, a artista registra imagens de programas de televisão em situações de distorção por problemas de transmissão. Deslocadas de seu fluxo, as imagens são editadas e acrescidas de áudio, este último constituído a partir da edição de sons de conexão de computadores à internet via modem e linha telefônica.
Ao apresentar o vídeo em uma televisão de tubo, montada como totem em uma base de madeira, a artista coloca em questão a dimensão ideológica de um modelo comunicacional específico, atentando para o poder de sua conformação autoritária, tal como manifesta no âmbito das tecnologias pré‐digitais. Fantasmagorias joga com a ideia de que o conteúdo selecionado e reprocessado possa se passar por uma transmissão direta de fluxo comunicacional. Mas imagem e som se fundem como ruído, em conteúdo opaco, abstrato, inacessível. Diante dele, torna‐se impossível estabelecer qualquer nexo de encadeamento narrativo.
Se nos espetáculos de fantasmagoria parisienses de final do século XVIII o público podia ser conduzido a experiência do contato com “aparições”, através da projeção ilusionista de imagens espectrais em cortinas de fumaça por meio de lanternas mágicas adaptadas, as fantasmagorias de Rita Balduíno, reproduzidas aqui na forma de distúrbios de transmissão de conteúdo, evocam o vislumbre de uma interrupção na partilha da experiência comunicacional que tradicionalmente engendrou um certo receptor passivo. Tal interrupção não se apresenta mais como uma oscilação passageira, mas como uma espécie de hackeamento, de sabotagem. Podemos saber que isso decorre de um artifício, com algo do ilusionismo, mas isso não nos impede de tomar contato com uma aparição que irrompe como potencial questionamento acerca da natureza da transmissão de imagens e daquilo que enunciam. No trabalho da artista, o desconforto do ruído não termina, mas se prolonga em loop.








                                                                         

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